Passemos agora aos realmente novos
escritores. Já agora, sobre o escritor Almeida Faria é por demais sabida a admiração de Vergílio
Ferreira por este - na altura - jovem escritor, até pela famosa polémica pública em que se
envolveu para o defender dos ataques de Alexandre Pinheiro Torres (depois de
ter escrito o prefácio à sua primeira obra Rumor Branco).
Vários
18 de junho de 1985, Conta-Corrente
5, p. 462
Há dias o jovem escritor Américo Guerreiro de Sousa perguntava-me:
- Você acha que a literatura portuguesa é hoje melhor do que a de ontem?
A de ontem era a minha e a dos meus confrades, mesmo a imediatamente posterior. E eu disse-lhe que sim. (...)
(…) um grupo muito interessante
de escritores. O Américo, a Lídia Jorge, a Teolinda Gersão, uma Gabriela
Llansol, que aliás conheço mal mas dizem ser de qualidade, Mário de Carvalho e
outros que não conheço vieram render a ficção imediatamente anterior em que
sobressaía o Almeida Faria e mais atrás um Abelaira, para não falar da geração
da velhada a que também pertenço e que foi a mais sujeita à infecção
neo-realeira. De modo que a geração mais recente é muito boa, sim, senhor. Mas
não esquecer que quem deu o corpo ao manifesto fomos nós, quem cavou, suou,
foçou para haver lindas flores fomos nós e quem errou e deu maus exemplos para
não serem seguidos e se acertar com mais plausibilidade foi também a minha
geração, das mais desgraçadas que se deram à ideia de existirem. É assim.
Vergílio Ferreira (1981). Um
Escritor Apresenta-se. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
Devo dizer-lhe que os novos que
mais fortemente me têm impressionado são: Almeida Faria, Herberto Helder e Luiz
Pacheco. (306/307)
(…) Almeida Faria, Herberto
Helder, (…) Luiz Pacheco (…), o João-Palma Ferreira (…), o David
Mourão-Ferreira desse excelente Os Amantes, a Yvette Centeno (…), a
Maria Isabel Barreno (…), uma Maria Velho da Costa (…), (…) Beatriz Barbosa (…)
– são, entre outros, nomes a ter em conta para o arejamento e a renovação da
nossa literatura. (308)
(…) Mas outros nomes a fixar de
escritores pós-neo-realistas (ou que do neo-realismo realmente divergiram ainda
que isso neguem) serão os de Fernanda Botelho, Maria Judite de Carvalho,
Augusto Abelaira e o de um inesperado e ácido e de muita alta qualidade, Luiz
Pacheco, (…) (310)
Grandes contos de hoje? Alguns
de Torga, Branquinho da Fonseca, Manuel da Fonseca, Gomes Ferreira, Maria Judite
de Carvalho (melhor na novela), Urbano Tavares Rodrigues (talvez antes
novelista do que contista), Herberto Helder (um contista sui generis), Cardoso
Pires. (311)
Já no romance (…) Adiantemos
três nomes para já: João Alves da Costa (…), Armando da Silva Carvalho (…) e
particularmente Mário Cláudio (…) (340)
Vergílio Ferreira, em entrevista a
Clara Ferreira Alves, no Expresso de 22 de março de 1986, p. 31-R:
(CFL) - E a si que novos autores
portugueses o entusiasmam?
(VF) – Gosto muito do Mário de
Carvalho, é giro, tem imaginação, escreve bem. Gosto da Teolinda Gersão, da
Lídia Jorge, e muito, muito, dos primeiros livros do Mário Cláudio, que está,
agora, a aproximar-se do perfeccionismo. E há o Américo Guerreiro de Sousa. E,
mais velhos, o Abelaira, o Alçada Baptista, com as últimas coisas. Há gente de
qualidade para manter a chama acesa.
Mário de Carvalho
Vergílio Ferreira, em entrevista a Clara Ferreira Alves, no Expresso de 22 de março de 1986, p. 31-R:
(CFL) - E a si, mandam-lhe
muitos livros com dedicatórias elogiosas?
(VF) - Constantemente. E não
ignoro as solicitações. Ainda hoje recebi um. Leio, e mando sempre duas
palavras.
Mário de Carvalho confirma:
Surpreendentemente, de todas as
vezes que enviei um livro a Vergílio Ferreira, recebi uma resposta, e amiga e
circunstanciada. A mim, que mal o conhecia, e que não estava a contar com
resposta nenhuma. (Mário de Carvalho em In Memoriam de Vergílio Ferreira,
p. 52, Bertrand Editora)
Mário Cláudio
25 de janeiro de 1977, Conta-Corrente 2, p. 9
25-Janeiro (terça). Li um belo
livro de Mário Cláudio - As Máscaras de Sábado. Gostei mais que do
anterior Um Verão Assim. É um romance poético em que tudo se dilui em
névoa, donde emerge uma Cidade e uma Casa e através da qual perpassam esboços
de figuras como o Tio, Paulette, Ana, outros. Uma coisa que me intrigou - aquele
Gaio Valério Catulo, que tem aqui um halo de imperador e é o poeta romano
lírico-erótico, contemporâneo de Cícero e Lucrécio. A reflectir sobre o que
anda a fazer aqui no livro. Escrita próxima da do Almeida Faria?
31 de outubro de 1977, Conta-Corrente
2, p. 135
31-outubro (segunda). Acabei
ontem de ler Portuguex, de Armando Silva Carvalho. Já lera dele há
tempos O Uso e o Abuso. E pouco a pouco vai-se-me desenhando a
orientação dos nossos jovens escritores: este, Maria Velho da Costa, Mário
Cláudio, João Alves da Costa, outros. Seguem à risca o princípio de Jean
Ricardou: até hoje o romance foi a escrita de uma aventura, hoje é a aventura
de uma escrita. Como se as duas coisas fossem incompatíveis. Não, não defendo a
historieta, a anedota, a narrativa folhetinesca. Mas que ao menos a gente entre
no banquete e não fique só a ver. Mário Cláudio é quanto a isso o mais legível.
A gente chega ao fim com alguma coisa no estômago. Os outros são como esses doces
de claras: volumosos, aparatosos, mas mastigamo-los no vazio. Se calhar eles é
que estão certos: o vazio é o nosso signo.
2 de setembro de 1979, Conta-Corrente
2, p. 306
(…) Várias cartas à minha
espera. Uma de Mário Cláudio a agradecer-me o eu gostar dos seus livros - e o
tê-lo dito. Ele é a melhor promessa da jovem literatura. Tem o sentido da
subtileza, do lance poético, da leveza para se «desprender» do real e da sua
força de gravidade. (…)
Teolinda Gersão
25 de Maio de 1979, Conta-Corrente 2, p. 263
25-Maio (sexta). Li um romance
inédito de uma estreante – Teolinda Gersão. E como sempre que é uma estreia,
lido em forte expectativa. Livro bem montado e de escrita directa, penetrante,
de viva observação. Li-o com gosto, direi com prazer. Anotação concreta, sem
fugas, com cada pormenor a valer. E uma construção da frase calculada a fita
métrica, com o adjectivo preciso no seu lugar, metido a tempo para aguentar o
ritmo. Já o tema me interessou menos: tensões domésticas entre dois casais. Mas
o silêncio final a que vão dar, tem um sentido que me fala. Robbe-Grillet,
suponho, orientou a montagem; e Virgínia Woolf (e certa Clarice Lispector)
orientou a valorização do pormenor, no seu modo de o circunscrever, o fechar em
si, o isolar. E findo o livro, uma obscura alegria me tomou, contentamento
quase clandestino, o de ter mais um cúmplice, nesta loucura de encher a vida a
escrever romances. Como se numa multidão indiferente alguém erguesse a voz para
me saudar. Como se num deserto alguém esperasse para lhe passar o testemunho.
Como se de repente eu fosse menos louco.
2 de junho de 1984, Conta-Corrente
5, p. 127
E finalmente houve a leitura em
letra impressa de Os Guarda-Chuvas Cintilantes da Teolinda Gersão e que
é um falso diário que muito me entusiasmou, muito mais do que excitou quando o
li dactilografado. Ele é realmente uma pequena preciosidade de engenho,
graciosidade, originalidade, virtuosismo e cintilação. E eis por hoje.
Augusto Abelaira
1 de Dezembro de 1979, Conta-Corrente 2, p.331
Acabado de ler o último livro de Abelaira, Sem Tecto Entre Ruínas. É curioso como este homem se apaga diante dos seus parceiros de clube. E, todavia, pela cultura, agilidade mental e modernidade, é-lhes, decerto, bastante superior. (...)
21 de Abril de 1981, Conta-Corrente 3, p.319
(...) Vou ler o último romance do Abelaira, que tem o belo título medievo de O Triunfo da Morte. (...) Lido o livro do Abelaira. Bom jogo, boa agilidade mental, boa informação. (...) porque é um livro inteligente eu o li sem pausa. (...) Mas nesta simples leitura, e de vez em quando, dei comigo a rir alto. De todo o modo, portanto, ganhei a tarde.
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