domingo, 14 de março de 2021

Vergílio Ferreira leu (e apreciou publicamente) escritores novos e obras novas - 3

Passemos agora aos realmente novos escritores. Já agora, sobre o escritor Almeida Faria é por demais sabida a admiração de Vergílio Ferreira por este - na altura - jovem escritor, até pela famosa polémica pública em que se envolveu para o defender dos ataques de Alexandre Pinheiro Torres (depois de ter escrito o prefácio à sua primeira obra Rumor Branco).

  


Vários

18 de junho de 1985, Conta-Corrente 5, p. 462

Há dias o jovem escritor Américo Guerreiro de Sousa perguntava-me:

- Você acha que a literatura portuguesa é hoje melhor do que a de ontem?

A de ontem era a minha e a dos meus confrades, mesmo a imediatamente posterior. E eu disse-lhe que sim. (...)

(…) um grupo muito interessante de escritores. O Américo, a Lídia Jorge, a Teolinda Gersão, uma Gabriela Llansol, que aliás conheço mal mas dizem ser de qualidade, Mário de Carvalho e outros que não conheço vieram render a ficção imediatamente anterior em que sobressaía o Almeida Faria e mais atrás um Abelaira, para não falar da geração da velhada a que também pertenço e que foi a mais sujeita à infecção neo-realeira. De modo que a geração mais recente é muito boa, sim, senhor. Mas não esquecer que quem deu o corpo ao manifesto fomos nós, quem cavou, suou, foçou para haver lindas flores fomos nós e quem errou e deu maus exemplos para não serem seguidos e se acertar com mais plausibilidade foi também a minha geração, das mais desgraçadas que se deram à ideia de existirem. É assim.

 

Vergílio Ferreira (1981). Um Escritor Apresenta-se. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda.

Devo dizer-lhe que os novos que mais fortemente me têm impressionado são: Almeida Faria, Herberto Helder e Luiz Pacheco. (306/307)

(…) Almeida Faria, Herberto Helder, (…) Luiz Pacheco (…), o João-Palma Ferreira (…), o David Mourão-Ferreira desse excelente Os Amantes, a Yvette Centeno (…), a Maria Isabel Barreno (…), uma Maria Velho da Costa (…), (…) Beatriz Barbosa (…) – são, entre outros, nomes a ter em conta para o arejamento e a renovação da nossa literatura. (308)

(…) Mas outros nomes a fixar de escritores pós-neo-realistas (ou que do neo-realismo realmente divergiram ainda que isso neguem) serão os de Fernanda Botelho, Maria Judite de Carvalho, Augusto Abelaira e o de um inesperado e ácido e de muita alta qualidade, Luiz Pacheco, (…) (310)

Grandes contos de hoje? Alguns de Torga, Branquinho da Fonseca, Manuel da Fonseca, Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho (melhor na novela), Urbano Tavares Rodrigues (talvez antes novelista do que contista), Herberto Helder (um contista sui generis), Cardoso Pires. (311)

Já no romance (…) Adiantemos três nomes para já: João Alves da Costa (…), Armando da Silva Carvalho (…) e particularmente Mário Cláudio (…) (340)

 

Vergílio Ferreira, em entrevista a Clara Ferreira Alves, no Expresso de 22 de março de 1986, p. 31-R:

(CFL) - E a si que novos autores portugueses o entusiasmam?

(VF) – Gosto muito do Mário de Carvalho, é giro, tem imaginação, escreve bem. Gosto da Teolinda Gersão, da Lídia Jorge, e muito, muito, dos primeiros livros do Mário Cláudio, que está, agora, a aproximar-se do perfeccionismo. E há o Américo Guerreiro de Sousa. E, mais velhos, o Abelaira, o Alçada Baptista, com as últimas coisas. Há gente de qualidade para manter a chama acesa.

 


Mário de Carvalho


Vergílio Ferreira, em entrevista a Clara Ferreira Alves, no Expresso de 22 de março de 1986, p. 31-R:

(CFL) - E a si, mandam-lhe muitos livros com dedicatórias elogiosas?

(VF) - Constantemente. E não ignoro as solicitações. Ainda hoje recebi um. Leio, e mando sempre duas palavras.

Mário de Carvalho confirma:

Surpreendentemente, de todas as vezes que enviei um livro a Vergílio Ferreira, recebi uma resposta, e amiga e circunstanciada. A mim, que mal o conhecia, e que não estava a contar com resposta nenhuma. (Mário de Carvalho em In Memoriam de Vergílio Ferreira, p. 52, Bertrand Editora)

 

 

Mário Cláudio


25 de janeiro de 1977, Conta-Corrente 2, p. 9

25-Janeiro (terça). Li um belo livro de Mário Cláudio - As Máscaras de Sábado. Gostei mais que do anterior Um Verão Assim. É um romance poético em que tudo se dilui em névoa, donde emerge uma Cidade e uma Casa e através da qual perpassam esboços de figuras como o Tio, Paulette, Ana, outros. Uma coisa que me intrigou - aquele Gaio Valério Catulo, que tem aqui um halo de imperador e é o poeta romano lírico-erótico, contemporâneo de Cícero e Lucrécio. A reflectir sobre o que anda a fazer aqui no livro. Escrita próxima da do Almeida Faria?

 

31 de outubro de 1977, Conta-Corrente 2, p. 135

31-outubro (segunda). Acabei ontem de ler Portuguex, de Armando Silva Carvalho. Já lera dele há tempos O Uso e o Abuso. E pouco a pouco vai-se-me desenhando a orientação dos nossos jovens escritores: este, Maria Velho da Costa, Mário Cláudio, João Alves da Costa, outros. Seguem à risca o princípio de Jean Ricardou: até hoje o romance foi a escrita de uma aventura, hoje é a aventura de uma escrita. Como se as duas coisas fossem incompatíveis. Não, não defendo a historieta, a anedota, a narrativa folhetinesca. Mas que ao menos a gente entre no banquete e não fique só a ver. Mário Cláudio é quanto a isso o mais legível. A gente chega ao fim com alguma coisa no estômago. Os outros são como esses doces de claras: volumosos, aparatosos, mas mastigamo-los no vazio. Se calhar eles é que estão certos: o vazio é o nosso signo.

 

2 de setembro de 1979, Conta-Corrente 2, p. 306

(…) Várias cartas à minha espera. Uma de Mário Cláudio a agradecer-me o eu gostar dos seus livros - e o tê-lo dito. Ele é a melhor promessa da jovem literatura. Tem o sentido da subtileza, do lance poético, da leveza para se «desprender» do real e da sua força de gravidade. (…)

 

 

Teolinda Gersão


25 de Maio de 1979, Conta-Corrente 2, p. 263

25-Maio (sexta). Li um romance inédito de uma estreante – Teolinda Gersão. E como sempre que é uma estreia, lido em forte expectativa. Livro bem montado e de escrita directa, penetrante, de viva observação. Li-o com gosto, direi com prazer. Anotação concreta, sem fugas, com cada pormenor a valer. E uma construção da frase calculada a fita métrica, com o adjectivo preciso no seu lugar, metido a tempo para aguentar o ritmo. Já o tema me interessou menos: tensões domésticas entre dois casais. Mas o silêncio final a que vão dar, tem um sentido que me fala. Robbe-Grillet, suponho, orientou a montagem; e Virgínia Woolf (e certa Clarice Lispector) orientou a valorização do pormenor, no seu modo de o circunscrever, o fechar em si, o isolar. E findo o livro, uma obscura alegria me tomou, contentamento quase clandestino, o de ter mais um cúmplice, nesta loucura de encher a vida a escrever romances. Como se numa multidão indiferente alguém erguesse a voz para me saudar. Como se num deserto alguém esperasse para lhe passar o testemunho. Como se de repente eu fosse menos louco.

 

2 de junho de 1984, Conta-Corrente 5, p. 127

E finalmente houve a leitura em letra impressa de Os Guarda-Chuvas Cintilantes da Teolinda Gersão e que é um falso diário que muito me entusiasmou, muito mais do que excitou quando o li dactilografado. Ele é realmente uma pequena preciosidade de engenho, graciosidade, originalidade, virtuosismo e cintilação. E eis por hoje.



Augusto Abelaira


1 de Dezembro de 1979, Conta-Corrente 2, p.331

Acabado de ler o último livro de Abelaira, Sem Tecto Entre Ruínas. É curioso como este homem se apaga diante dos seus parceiros de clube. E, todavia, pela cultura, agilidade mental e modernidade, é-lhes, decerto, bastante superior. (...)


21 de Abril de 1981, Conta-Corrente 3, p.319

(...) Vou ler o último romance do Abelaira, que tem o belo título medievo de O Triunfo da Morte. (...) Lido o livro do Abelaira. Bom jogo, boa agilidade mental, boa informação. (...) porque é um livro inteligente eu o li sem pausa. (...) Mas nesta simples leitura, e de vez em quando, dei comigo a rir alto. De todo o modo, portanto, ganhei a tarde.


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